sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Anjo

Não acreditava que tinha acontecido, não podia acreditar. Seu melhor amigo e sua namorada. Se ao menos não os tivesse visto. Perdera completamente a noção do tempo. Quando foi mesmo que ele foi ao apartamento de Hugo e os vira no tapete da sala? Não conseguia lembrar. Tinha vindo direto pra casa, desligado os telefones e se trancado para o mundo lá fora. Sabia por experiência que não era a melhor coisa a fazer... ficar só nunca tinha sido uma grande ajuda para ele. Ficar só fazia com que deixasse seus medos voltassem a tona. Com que suas fraquezas se tornassem mais fortes. Ele sempre fora um chorão, todo mundo sabia disso. Mas dessa vez não havia lágrimas. As lágrimas são capazes de lavar a alma e diluir um pouco a dor; se há lágrimas é porque com o tempo as coisas se resolverão. Mas não haviam lágrimas dessa vez. Ele tinha certeza que já se passara mais de um dia. Tinha ouvido a campainha algumas vezes ao longe. Não comera nada, mas não sentia fome. Ficara deitado, apático, ás vezes encarando demoradamente o teto sem nada ver e outras adormecido em turbulentos pesadelos. Tudo o que ele pensava ter superado estava voltando. Sentia-se estranho, como se nada mais fosse real. Queria por um fim em tudo... dessa vez tudo iria acabar. Mas para se certificar ia primeiro ficar bêbado. Quando bebia tinha coragem de fazer tudo. Saiu de casa sem ao menos escovar os dentes. Cabelos completamente despenteados. Foi ao mercado próximo e comprou duas garrafas de vodca. Quando tivesse bêbado tomaria um comprimido. Um único era suficiente. Era extremamente alérgico e morreria rapidamente com a reação. Voltava pra casa quando ao chegar em seu portão tem um susto. Tinha alguem a sua espera. Alguem que ele não via à anos. Angélica. Sua querida amiga de infância, que tinha se mudado para o sul quando entrou na faculdade. Olhou para ela sem acreditar inteiramente que era real. Ela sorriu. Disse: "Até que enfim você aparece. Estive tocando sua campainha desde ontem." Sorriu novamente e completou: "Não vai me dar nem um abraço?" Viu então as garrafas de vodca e inquiriu: "Preparando uma festinha??" Diante do silêncio, olhou melhor para o amigo... notou as olheiras... o cabelo despenteado... a roupa suja e fedorenta... as vodcas e num piscar de olhos compreendeu tudo. Aproximou-se lentamente do amigo. Deu um abraço apertado e disse em seu ouvido: "Pronto. Agora eu voltei pra ficar com você. Não precisa mais fazer nada." Ao ouvir isso ele começou a chorar, olhou pro céu e agradeceu pelo envio do anjo.

6 comentários:

Critical Watcher disse...

Que final feliz!
Seria tão bom se os anjos aparecessem sempre que deles precisássemos...

O chato é que nem sempre a vida é assim. Às vezes, o que resta-nos é a certeza de que temos que bater de frente com o problema. Por mais doloroso que isso possa parecer, é preciso coragem pra cair e levantar-se.

Gabriela. disse...

Conto é uma coisa tão boa né???

Pena que em 99% dessas situações eles nunca aparecem.

Deve ser os nossos demônios que os impede.

E eu não sei quase nada de francês, uma frase aqui, uma expressão acolá e nada mais. Mas um dia ainda aprendo.

Critical Watcher disse...

Pensando assim... Tudo bem!
Que seja apenas para dar-nos esperança.

E que não nos cegue!

hehe

disse...

Bonito. Gostei do final. Não sei escrever finais felizes e normalmente não gosto deles. Mas pq acho mto novela da globo, sabe? Nesse caso foi diferente. Se fosse uma novela ele mataria o amigo, voltaria com a namorada, eles teriam filhos e fim. rs. Gostei mesmo. Mto. :)

disse...

Eu tinha que dar uma forra pros homens, são sempre as mulheres as sacanas, sarcásticas nos meus textos. Resolvi deixar que o homem dessa vez fosse senhor da situação, mas meus visitantes de blog q não se acostumem. :P

Bjs, querido. ;)

Igor disse...

"Compreendo" quem se mata por não ser capaz ou por não ver graça na própria vida, mas nunca vou compreender quem se mata pela vida alheia.
Já passei por algo parecido que me deixou realmente no inferno. Hoje agradeço pelo que aconteceu, por que sou alguma coisa melhor devido a isso.

Tão passageiro que chega a ser engraçado....

adorei o texto!